sábado, 21 de maio de 2011

Não podemos ignorar











Em tempo de crise intensa, os políticos não podem refugiar-se em discursos vagos e politicamente correctos. Não podem ter medo de apresentar propostas ousadas em nome de tácticas bacocas. Não podem evitar os assuntos incómodos por medo de perderem votos. Não podem fugir às questões essenciais por cinzentismo ideológico.

Foi por isso uma lufada de ar fresco a entrevista que li no Setúbal na Rede a Maria Luis Albuquerque.

A candidata faz a defesa do princípio da subsidiaridade na acção social: «Se temos entidades que estão no terreno, que têm demonstrado ao longo dos anos a capacidade de prestar uma assistência efectiva às populações, não faz sentido que venha a Segurança Social concorrer com aquilo que já existe. (...) Pretendemos que a Segurança Social colabore em rede, aproveite o conhecimento, o trabalho, o empenho do voluntariado das pessoas que estão no terreno, sem criar entraves burocráticos e despropositados, numa altura como a que vivemos.»

Apresenta uma perspectiva de desenvolvimento económico fundada na agricultura e nas pescas: «Muitas das medidas que temos no nosso programa, e que vamos implementar no terreno, têm a ver com a promoção dessa competitividade. Seja das PME’s exportadoras ou daquelas que substituem as importações. É o caso da nossa agricultura e das nossas pescas que têm sido muito mal tratadas. Agricultura e pescas são áreas fundamentais, uma vez que, para além de serem sectores potencialmente exportadores, são também sectores que substituem importações e que aumentam aquilo que é a nossa segurança em termos de suficiência alimentar. (...) A agricultura foi muito esquecida nos últimos anos. É uma área fundamental para a competitividade do país. Além do potencial exportador, tem também um potencial enorme de promoção da coesão territorial.»

Não foge à questão do urbanismo, tão importante no distrito de Setúbal: «O pequeno comércio foi afectado por uma mudança do padrão de consumo, pelo aparecimento das grandes superfícies comerciais, mas também por uma política errada de urbanismo. Uma política de gestão de ordenamento do território que tem sido errada desde há muitos anos e que não cria condições, em muitos casos, para que os centros das cidades possam potenciar o seu comércio.»

Opõe-se com clareza às grandes obras públicas: «Temos assistido a um desvio dos recursos financeiros para as grandes obras públicas e para as parcerias público-privadas que beneficiam sempre os mesmos, ou seja, os grandes grupos económicos que absorveram a quase totalidade dos recursos a que o país teve acesso nos últimos anos. Isso é uma situação que claramente tem de mudar e é isso que propomos também no nosso programa.»

Faz uma defesa destemida da liberdade de escolha na educação: «O acesso de todos, independentemente da sua condição financeira, a uma educação de qualidade, seja no sector público, que deve garantir serviços de qualidade, seja no sector privado. Por isso, entendemos que se deve caminhar para a liberdade de escolha, onde as pessoas possam optar entre o serviço público ou privado, com a mesma garantia de qualidade e com a mesma garantia de acessibilidade para todos os cidadãos. Mais uma vez, o estado deve ser forte para garantir esses serviços, sem ser, necessariamente, um prestador directo. (...) Temos portanto de actuar numa lógica de complementaridade, pois entendemos que não faz sentido o Estado fazer investimento em locais, nomeadamente ao nível da educação, onde já existe uma resposta eficaz e de qualidade às populações que é dada pelo ensino privado.»

Apresenta uma visão moderna do sistema de saúde: «Mas não é nossa intenção acabar com o Serviço Nacional de Saúde. O PSD reclama créditos na criação do Serviço Nacional de Saúde, que é uma das grandes conquistas da nossa democracia. Não temos qualquer intenção de destruir esse serviço, mas entendemos que há a possibilidade de potenciar melhores cuidados de saúde e melhor educação às populações se permitirmos essa liberdade de escolha e se tivermos exigência de qualidade no público e no privado.»

A Dra. Maria Luis Albuquerque mostra um conhecimento claro da realidade do distrito e uma grande lucidez na sua análise. Não é uma tecnocrata sombria e amorfa.

A entrevista da candidata do PSD é corajosa e inteligente. Contrasta de forma demasiado evidente com outras entrevistas no mesmo espaço. O momento crucial em que está o país não me permite ignorá-la.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O texto expecturante

Segue-se a declaração política apresentada na última Assembleia Municipal que gerou a atitude distinta da Senhora Presidente da Câmara e a indignação do Senhor Presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica.

Ainda não perceberam que indignados devem estar os cidadãos com os seus projectos obscenos.













DECLARAÇÃO POLÍTICA

ESTRADA REGIONAL 377-2

Já nesta Assembleia tivemos a oportunidade de demonstrar o atentado ambiental, paisagístico, cultural e social que constitui a Estrada Regional 377-2 e a estranha coligação de interesses que junta tantos partidos em torno de um projecto criminoso.

Já mostrámos que a estrada é inútil, que não serve a população, que priva o concelho do seu mais rico património e que tem uma óbvia alternativa com muito menores impactes ambientais e económicos.

Já manifestámos a nossa indignação pela destruição das Terras da Costa, que têm características únicas na Europa, ainda por cima num momento em que a crise mundial acentua a relevância da agricultura nas metrópoles.

Já reiterámos a solidariedade com os agricultores das Terras da Costa, que foram conquistadas para uso agrícola por sucessivas gerações de pessoas e constituem um precioso legado do engenho humano à história do concelho.

Já deixámos clara a preocupação pelo ataque à Paisagem Protegida da Arriba Fóssil, à Reserva Ecológica e à zona primordial bicentenária da Mata Nacional dos Medos, que deveriam ser património a valorizar e a legar às gerações vindouras.

Já vimos que a ER 377-2 não respeita o Plano Director Municipal e repete em grande parte a Via Turística reprovada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Já compreendemos que a estrada quer despejar na Charneca os 17 mil utentes dos novos parques de campismo, com prejuízos sérios para a população local, já se si tão fustigada por um planeamento do território que acumula décadas de erros profundos.

Já percebemos, da consulta do processo, que a ER 377-2 abre as portas à especulação imobiliária em zonas naturais protegidas.

O Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (RECAPE) conclui que a Declaração de Impacte Ambiental não é cumprida.


Em 3 de Setembro de 2010, o Senhor Provedor de Justiça informou ter questionado a Presidente da Câmara Municipal de Almada e o Presidente do Conselho de Administração da EP-Estradas de Portugal, SA sobre o licenciamento da construção da Estrada Regional 377-2.

Segundo o Gabinete do Provedor, é fundamental «apurar a razão pela qual ainda prossegue a avaliação de impacto ambiental quando a Direcção Regional de Agricultura e Ribatejo e Oeste já deu um parecer desfavorável quanto ao estudo prévio sobre a obra, que sacrifica perto de 9 hectares de solos de uma várzea de elevadíssima fertilidade. Neste contexto, a prossecução da avaliação do impacte ambiental, poderá condicionar as autoridades agrárias, compelindo-as a rever a sua oposição.»

No despacho conjunto 5117/2011, dos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ao mesmo tempo que se reconhece «que para a construção desta via será ocupada uma área significativa de terreno que se encontra integrada em RAN — Reserva Agrícola Nacional», declara-se o relevante interesse público da ER 377-2. Este despacho materializa os receios legítimos do Senhor Provedor de Justiça.

Logo de seguida, o despacho 6514/2011 do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações promove a expropriação com carácter urgente de 50 lotes de terreno agrícola para a construção da ER 377-2.

É lamentável que, num governo demissionário, duas figuras emirjam no frete à Câmara Municipal de Almada e às negociatas do imobiliário. É lamentável que se continue a sacrificar património que é de todos porventura em nome da especulação, em nome das contas bancárias, em nome de uma terra sem futuro.

Rui Pedro de Sousa Barreiro, Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural.

Paulo Jorge Ribeiro de Campos, Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações.

Maria Emília Neto de Sousa, Presidente da Câmara Municipal de Almada.

António José Gaspar Neves, Presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica.

António Fonseca Ferreira, Presidente do Conselho de Administração da CostaPolis.

Juntamente com todos os vereadores e deputados municipais que o viabilizaram, são os responsáveis por um atentado ambiental hediondo.

É bom que os cidadãos saibam os seus nomes. Num país à séria, gente responsável por um projecto destes estaria a contas com justiça.

Mais do que nunca, são actuais as palavras do Dr. Miguel Sousa Tavares:

«Acuso essa exaltante conquista de Abril, que é o poder local, de ter destruído, por ganância dos seus eleitos, todo ou quase todo o litoral português. (...) Acuso esta gente que só sabe governar para eleições, que não tem sequer amor algum à terra que os viu nascer, que enche a boca de palavrões tais como "preservação do ambiente" e "crescimento sustentado" e que não é mais do que baba nas suas bocas, de serem os piores inimigos que o país tem. Gente que não ama Portugal, que não respeita o que herdou, que não tem vergonha do que vai deixar.»