Bem podem proclamar as virtudes do poder local democrático, que só soa a hipocrisia. Décadas da mesma pessoa no poder, que entende que, no seu Município, tudo pode, tudo manda, tudo decide, e que ninguém se atreva a atravessar-se no seu caminho.
Uma estrutura autárquica que se confunde com o próprio partido, lugares públicos ao sabor do cartão de militante, familiares e amigos nos lugares dirigentes, concursos à medida dos escolhidos, ascensões meteóricas na carreira sem justificação aparente.
Como se não bastasse, a rede de dependências que se estende ao longo de tantos anos tolhe, inibe, controla, fazendo desaparecer uma oposição que, a bem sabe-se lá de quê, se demite de exercer o mandato que lhe foi outorgado pelos eleitores.
Em Almada, a CDU não tem maioria na Câmara Municipal de Almada, mas em nada se nota esse facto. A subserviência de PS, PSD e BE têm permitido à presidente Maria Emília e ao seu partido prosseguir, com tiques de totalitarismo, o seu mandato triunfal. Basta consultar as votações no órgão executivo, para ver que alguns discursos inflamados são mera maquilhagem dos partidos da oposição.
Nunca tive grandes expectativas quanto ao resultado dos trabalhos da Comissão Eventual sobre o caso do Engº Jorge Abreu. Mas nunca pensei ver os meus colegas de oposição tão curvados ao poder comunista.
Neste caso há pessoas que têm sofrido muito. Não se podia exigir menos aos membros da Comissão do que chegar à verdade. A toda a verdade.
Há uma história que o Relatório Final, que o CDS não aprovou, não conta. Uma história que a CDU não deixou aprofundar em sede de Comissão, bloqueando a audição de mais pessoas. Uma história que os senhores deputados municipais não quiseram conhecer. Uma história que, por dever de consciência, entendo que devo publicar, e que consta em anexo ao Relatório da Comissão como sendo a posição do CDS.
a) Em 3 de Junho de 2002, os SMAS e o Eng. Jorge Abreu celebraram um acordo de actividade ocupacional. Em 3 de Fevereiro de 2003, assinaram um contrato a termo certo.
b) O trabalhador foi colocado, em sequência dos contractos referidos, no Departamento Municipal de Tratamento de Águas Residuais, dirigido pela Eng.ª Lurdes Alexandra Neto de Sousa, por infeliz coincidência filha da Presidente da Câmara, com funções de manutenção electromecânica.
c) De 1 de Janeiro a 2 de Fevereiro de 2003, o Eng. Jorge Abreu desempenhou as mesmas funções sem qualquer relação jurídica e recebendo o salário mínimo nacional.
d) No cumprimento das suas tarefas, o Eng. Jorge Abreu deu conta à sua chefia de irregularidades técnicas no projecto da ETAR da Mutela, expressas em relatórios mensais subscritos por si e pela Eng.ª Cristina Furtado.
e) Tais relatórios informavam, designadamente, o subdimensionamento das bombas de água bruta, erros grosseiros na automação, erros na instalação do circuito de bio-gás e da cablagem entre edifícios, e a impossibilidade de funcionamento dos cogeradores.
f) O Eng. Jorge Abreu nunca recebeu da chefia qualquer resposta aos relatórios enviados, tendo sentido da sua parte uma protecção ao consórcio responsável pela obra.
g) O trabalhador procurou dar conta das irregularidades ao Presidente do Conselho de Administração dos SMAS, Dr. Henrique Carreiras, não tendo sido recebido.
h) A ETAR da Mutela foi aceite pelo Município de Almada em Setembro de 2005, sem terem sido feitas as correcções técnicas propostas pelo Eng. Jorge Abreu.
i) Em Dezembro de 2005, as bombas de água bruta da ETAR da Mutela faliram.
j) A ETAR da Mutela esteve sem funcionar até 2008, tendo sido substituídas as bombas de água bruta, o que acarretou um prejuízo grave para o Município.
k) No início de 2006, o trabalhador foi despedido ilicitamente e retirado da lista de classificação final dos candidatos ao concurso para Técnico Superior de 2ª classe, o que considerado pelo Tribunal Central Administrativo Sul como «gravíssima decisão».
l) Resulta das decisões judiciais a anulação dos dois actos anteriores. Esses actos configuram o início do tratamento persecutório ao trabalhador.
m) Já depois da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, o Conselho de Administração dos SMAS (presidido pelo Ver. Nuno Vitorino) deliberou, a 11 de Fevereiro de 2009, renovar a decisão de retirar o Eng. Jorge Abreu da lista de classificação final dos candidatos ao concurso para Técnico Superior de 2ª classe.
n) Na sequência das decisões dos tribunais, o Eng. Jorge Abreu foi colocado no Departamento de Gestão de Redes de Água, Drenagem e Logística, sujeito a um período experimental.
o) A decisão de não colocar o trabalhador no Departamento Municipal de Tratamento de Águas Residuais não permitiu repor integralmente a situação prévia ao despedimento ilícito e, nas palavras do Presidente do Conselho de Administração dos SMAS, Dr. José Gonçalves, «corresponde à letra mas não tanto ao espírito» da decisão dos tribunais.
p) O júri que apreciou esse período experimental era constituído pelo Eng. Ramiro Norberto (Director do Departamento), pelo Eng. Carlos Sousa (Director do Departamento Municipal de Produção e Controlo de Qualidade da Água, e familiar da Eng.ª Lurdes Alexandra Neto de Sousa, directora do Eng. Jorge Abreu na ETAR da Mutela) e pelo Dr. Carlos Mendes (chefe da Divisão Municipal de Recursos Humanos, e responsável formal pelo despedimento ilícito do Eng. Jorge Abreu).
q) O júri não entregou ao trabalhador os critérios de avaliação do período experimental.
r) Durante o período experimental o júri não reuniu com o trabalhador.
s) Durante o período experimental não foi proposta ao trabalhador qualquer acção de formação.
t) Os objectivos estabelecidos para o período experimental incluíam a área de electromecânica e o recurso ao programa informático SAP-PM. Só passados oito meses a chefia informou o Eng. Jorge Abreu que não deveria dedicar-se às reparações electromecânicas e que a aplicação informática não estava disponível, apesar dos relatórios mensais do trabalhador.
u) A actuação da chefia e do júri foi negligente e censurável.
v) O júri atribuiu ao trabalhador uma classificação final de 10 valores, que inviabilizaria o vínculo laboral, sem fundamentar objectivamente essa classificação e sem proceder à audiência prévia determinada por lei.
w) Em despacho de 9 de Agosto de 2011, o Presidente do Conselho de Administração dos SMAS, Dr. José Gonçalves ordenou a reintegração definitiva do trabalhador, com atribuição final de 14 valores. Esta decisão, que pode estar ferida de ilegalidade, constitui uma censura implícita à actuação do júri.
x) Em 30 de Junho de 2011 o Director do Departamento de Gestão de Redes de Água, Drenagem e Logística atribuiu ao trabalhador objectivos e competências para o segundo semestre de 2011, não constando critérios de medida da sua avaliação. Por outro lado, os critérios de superação são ambíguos. Mais, as competências correspondem a pessoal operário e auxiliar, e não a técnico superior.
Os factos apurados configuram atitudes abusivas, persecutórias e censuráveis das chefias, com degradação do clima de trabalho, não havendo indicação de que tenham cessado. O trabalhador tem sido vítima de tratamento discriminatório desde a época em que desempenhava funções na ETAR da Mutela.
Mais, as irregularidades no pagamento das indemnizações e na declaração do IRS causaram danos pessoais e familiares irreversíveis e que poderiam, e deveriam, ter sido evitados.
Face às evidências, é incompreensível que a Comissão tenha optado por conclusões inócuas e repletas de eufemismos, de que «desarticulação funcional» é só um exemplo.
Mas algo se apurou no trabalho da Comissão. A resposta que a Senhora Presidente da Câmara não quis dar ao CDS na assembleia nem em sede do seu dever de resposta a um requerimento do nosso Grupo Municipal:
Em Dezembro de 2010, a sede dos SMAS foi sujeita a um mandado de busca e apreensão do Ministério Público, no âmbito de um inquérito que investiga a prática de crimes de tráfico de influências, peculato, participação económica em negócio e fraude na obtenção de subsídios, relacionados precisamente com a ETAR da Mutela, onde começou esta triste história de um trabalhador, num Município que, ainda por cima, se diz de esquerda.