Hoje, a Assembleia Municipal está reunida para
apreciar e votar mais um Relatório de Gerência e Contas do Município de Almada.
Tal como se esperava, o texto, mais do que um retrato do desempenho da Câmara
Municipal durante 2011, e do seu impacto na vida dos almadenses, é uma prosa de
ficção, embora de valor literário bastante duvidoso…
Emerge do relatório um concelho tão idealizado
quanto implausível, alimentado pela máquina de propaganda da maioria comunista,
ao bom estilo de Pyongyang. Assim resulta das sucessivas páginas do documento,
em que nos é contada a história de um município magistral e irrepreensível,
onde tudo está feito ou, no mínimo, planeado para se fazer.
A Almada em que se cumpriu, cito, «uma nova etapa
concretizada com êxito, no caminho da consolidação das condições que garantam
uma vida cada vez melhor a todos os Almadenses», uma Almada em que sobressai a
«exemplaridade no que à intervenção municipal diz respeito», uma Almada de,
continuo a citar, «notáveis resultados».
Lido este
documento, poderíamos ficar com a firme convicção de que a Câmara Municipal de
Almada, liderada por pessoas de suprema competência que nunca se enganam,
continua a transformar o concelho em algo que se pode aproximar a um paraíso na
terra.
Mas esta Assembleia não é o júri de uns quaisquer
jogos florais. Fora do texto ficcionado que nos foi entregue, há a realidade,
aquela que é experimentada pelos cidadãos em cada dia, aquela que não se
compadece com triunfalismos pacóvios nem com o controlo dos apparatchiki partidários.
Regozija-se a Câmara Municipal pelos resultados
financeiros, tonando-os sinónimo de boa gestão. Falta referir que o saldo de
gerência é construído à custa das inevitáveis receitas do betão – única
estratégia consistente ao longo dos anos – e do crescente sacrifício de
munícipes, famílias e empresas, que continuam, em Almada, a pagar impostos e
taxas brutais.
Em Almada, um dos municípios da Área
Metropolitana de Lisboa com maiores carências sócio-económicas, a Câmara
Municipal não tem estratégia para atracção de investimento, definindo uma
derrama penalizadora. Aos cidadãos, impõe uma taxa de IMI que deixa muitas
famílias sem recursos, aprova taxas elevadas e que duplicam tributações, e
ainda arrecada os 5% de IRS de que poderia aliviar os almadenses. Tudo para
alimentar uma máquina autárquica obesa e despesista, que sustenta clientelas
partidárias e os desvarios da maioria.
Poderia ser diferente? Claro que sim. Veja-se o
município de Ponte de Lima. Para lá de isentar os cidadãos de 5% de IRS, há
derrama zero para todas as empresas. Por outro lado, a Câmara Municipal tem
apenas quatro chefes de divisão, não tem directores de departamento, não há
empresas municipais, o presidente e os vereadores não têm cartão de crédito nem
motorista.
Ah! Mas é claro. A Câmara Municipal de Ponte de
Lima não oferece relógios comprados a empresas de estudos e projectos, não
organiza faustosas almoçaradas, não paga ferrugem a preço de arte a um camarada
do partido, não contrata artistas a dezenas de milhares de euros, não edita
livros inúteis a mais de 40 euros o exemplar, não compra actualizações
milionárias de software banal, não tem fontes cibernéticas, não enterra
dinheiro em colectividades controladas pelo partido, não tem uma empresa
de estacionamento com buracos financeiros, não suporta com os recursos
público a Festa do Avante, nem tem os familiares do presidente e os amigos do
partido de turbo ligado a subir na carreira.
Regressemos, então, à realidade de 2011.
Ano em que mais de metade da receita corrente do
Município foi proveniente do sector imobiliário, escolhido que foi o betão como
o grande desígnio do concelho.
Em 2011, a Câmara Municipal de Almada
gastou cerca de dois milhões de euros em subsídios e publicidade. Só para a
Academia Almadense, a autarquia decidiu transferir 750 mil euros, mesmo depois
do uso injustificado que a colectividade fez da transferência anterior de 300
mil euros. Por estranha maquinação do destino, a colectividade foi presidida
pelo chefe de gabinete da Senhora Presidente da Câmara.
Em 2011, a Polícia Judiciária continuou a visitar
instalações municipais, em processos de que a Presidente da Câmara não presta
esclarecimentos aos munícipes, preferindo acusar de «terrorismo político» e
«complô organizado» aqueles que fazem as perguntas óbvias sobre o assunto.
Foi em 2011 que soubemos haver documentos
apreendidos sobre a ETAR da Mutela, no âmbito de um inquérito
do Ministério Público que investiga a prática de crimes de tráfico de
influências, peculato, participação económica em negócio e fraude na obtenção
de subsídios.
Em 2011, o Senhor Provedor de Justiça
pronunciou-se contra a Estrada Regional 377-2, o cavalo de Tróia desta Câmara
Municipal em Paisagem Protegida, Reserva Agrícola, Reserva Ecológica e Reserva
Botânica. No mesmo ano, o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do
Ordenamento do Território pronunciou-se contra esta obra, pelos seus impactos
irreversíveis e danosos.
Em 2011, a Comissão de Acesso aos Documentos
Administrativos e o Senhor Provedor de Justiça instaram a Câmara Municipal a
cumprir a lei de acesso a estes documentos. Ainda assim, uma cidadã necessitou
de recorrer a uma intimação judicial com vista a obter documentos que lhe foram
persistentemente negados pela autarquia.
Em 2011, a Câmara Municipal de Almada continuou a
recusar-se a prestar contas da sua gestão, com respostas vagas, muito
incompletas e inócuas a requerimentos e questões concretas de deputados
municipais.
Em 2011, a Senhora Presidente da Câmara de Almada
recusou enviar a um deputado municipal o Plano Municipal de Protecção Civil em
vigor, desrespeitando gravemente as competências desta Assembleia e mantendo
escondida a sua negligência.
Em 2011, continuou o cerco aos comerciantes do
centro da cidade, consequência de uma teimosia trágica da Câmara Municipal.
Em 2011, os habitantes e os comerciantes de
Cacilhas constataram que a Câmara nada aprendeu com os erros grosseiros no
centro de Almada, alargando o disparate à freguesia vizinha.
Em 2011, a Ecalma continuou a dar prejuízo ao
Município e a manifestar uma actuação inconsistente, mostrando a inutilidade da
sua existência.
Em 2011, a Costa da Caparica continuou a
contemplar o cadáver de um Polis incompetente e violador da paisagem e do
ambiente, num cenário desleixado e decadente, que não consegue explicar as
dezenas de milhões de euros que custou aos contribuintes.
Em 2011, a Câmara Municipal fez aprovar uma
suspensão parcial do Plano Director Municipal, com uma fundamentação
atabalhoada e propósitos ambíguos.
Em 2011, o espaço público continuou sujo e
vandalizado, sendo a imagem de marca de uma gestão municipal que desistiu dos
almadenses.
Em 2011, mais um ano de esquecimento e degradação
passou sobre património histórico e cultural de elevado interesse: a Torre
Velha (a mais antiga fortificação marítima portuguesa), o Chalé Ribeiro Telles
(de recuperação propagandeada pela Câmara em 2007), a Quinta da família Gomes e
a nora de ferro, a Quinta da Arealva, as baterias de Alpena e Raposeira, a
Quinta de Santa Rita ou a Ermida de Nossa Senhora da Conceição, para dar alguns
exemplos, foram afastadas das prioridades da Câmara Municipal, mais preocupada
com foguetório, promoção imobiliária e propaganda.
Em 2011, Almada continuou a passar ao largo das
oportunidades turísticas que o seu potencial geográfico, histórico e humano
reclama. Segundo palavras do Prof. João Joanaz de Melo, presidente do GEOTA,
«não se vislumbra qualquer estratégia ou conceito de destino turístico.»
Em 2011, a população do Vale da Sobreda
permaneceu sitiada num território indecorosamente esquecido pela Câmara
Municipal e entregue a condições de vida indignas.
Em 2011, a Câmara Municipal de Almada investiu
dezenas de milhares de euros em planos bacocos de combate às alegadas
alterações climáticas, cujas teses catastrofistas e propostas histéricas ao
estilo de seita religiosa, estão desacreditadas na comunidade científica. O
escândalo Climategate, que revelou a manipulação de dados por colaboradores do
IPCC, deveria ser suficiente para a nossa autarquia revelar juízo no
desperdício do dinheiro dos cidadãos.
Ainda em 2011, a Câmara persistiu em gastos
absurdos em acções vazias, no âmbito de uma Semana da Mobilidade folclórica e
inconsequente. Precisamente a mesma Câmara que pretendia construir uma estrada
criminosa e habitação social em solo com diversas protecções ambientais,
entregando a paisagem e o património natural à voracidade da especulação
imobiliária.
Em 2011, a Câmara Municipal continuou a
entreter-se com estudos e análises sobre agricultura urbana, mas nada
concretizando, quando outros municípios em menos tempo fizeram muito mais, numa
matéria que se assume cada vez mais como uma prioridade, e pela qual o CDS há
tantos anos se bate nesta Assembleia.
Em 2011, a Câmara Municipal decidiu deixar parte
do território mergulhada na escuridão, num plano desmiolado de alegada poupança
energética que coloca em causa a segurança das pessoas e do seu património. Ao
mesmo tempo, insistiu em luminárias ultrapassadas que desperdiçam electricidade
e originam um ambiente urbano menos acolhedor.
Foi também em 2011 que, demasiadas vezes, o nome
de Almada surgiu na comunicação social devido à criminalidade violenta, que não
se pode dissociar de um ambiente urbano descuidado e de um espaço público que
não cativa os cidadãos.
Em 2011, a maioria comunista, rejeitou um
projecto do CDS para a criação de um Programa Municipal para os Idosos, com
vista a que, para lá de condições de vida independente e digna, no ambiente que
construíram e entre aqueles que amam, a comunidade lhes proporcionasse
oportunidades para valorizar as suas experiências e para partilhar os seus
valores. Mas a CDU não se importa de sacrificar os que mais precisam à sua
cegueira ideológica.
Foi assim em 2011. E não tem sido por falta de
propostas alternativas, a que a Câmara Municipal fecha os ouvidos, convencida
que está de ser detentora das verdades absolutas. Não ignoramos as decisões
meritórias do executivo, mas não podemos deixar de notar a distância entre a
Almada de fantasia que este Relatório nos apresenta, e a dura realidade que
encontramos diariamente. Podia-se ter feito mais, melhor e com menos custos. É
nosso dever exigi-lo aos que foram eleitos para isso.
Almada não merecia o estado de decadência
urbanística, paisagística, social e democrática a que a maioria comunista
conduziu aquela que poderia ser uma metrópole viva e pujante.